Sobre Hackathons e Solucionismo

por saritamoreira

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Este artigo, escrito por David Sasaki, foi publicado originalmente no seu blog com o título On Hackathons and Solutionism, e traduzido para português para o Transparência Hackday.

«Passei muito mais tempo do que esperava do meu fim de semana a avaliar as 22 apps finalistas do Desarrollando America Latina, a maior hackathon anual da região. (Podes conhecer os três vencedores e a menção honrosa através deste post pela coordenadora do evento, Anca Matioc.)

Passei o resto do fim de semana a ler o próximo livro de Evgeny Morozov, To Save Everything, Click Here (tradução livre: Para "salvar" tudo, clica aqui). Evgeny critica o advento do “solucionismo”, que define com uma citação de Michael Dobbins: “O solucionismo presume em vez de investigar o problema que está a tentar resolver, procurando a resposta antes das questões terem sido inteiramente colocadas”.

Não há lugar algum, parece-me, onde o solucionismo tenha mais força do que em hackathons e concursos de [desenvolvimento de] apps. Sem contemplarem as origens, causas e efeitos dos problemas sociais que querem remediar, estes eventos de dois ou três dias juntam designers e programadores de software que em conjunto “hackam” soluções elegantes para problemas complexos.

Por exemplo, na categoria dedicada às “alterações climáticas”, encontramos o projecto brasileiro Seu Lixo. A aplicação usa dados públicos do instituto brasileiro de estatística que dão a conhecer a quantidade diária de lixo coletado em cada uma das principais cidades do país. Ao percorrerem essa informação e comparando-a com as estatísticas populacionais dos últimos censos, os programadores por trás de “Seu Lixo” conseguem mostrar de uma forma atraente os quilos de lixo que são colectados, em média, por pessoa por dia nas maiores cidades do Brasil. Ficamos a saber que em Fortaleza, uma cidade na costa nordeste com pouco mais de 2 milhões, o habitante médio deita fora cerca de um quilograma de lixo por dia, enquanto que em Belo Horizonte, muitas vezes chamado “Silicon Valley” do Brasil, o habitante médio deita fora mais do dobro do que os de Fortaleza. E em Goiânia, palco de um famoso acidente de contaminação radioativa em 1987, os residentes deitam fora quase três vezes a quantidade de lixo que os cidadãos de Fortaleza.

A comparação é interessante, claro, mas deixa a pergunta no ar: porquê? Quais são as políticas e práticas que explicam tão grande discrepância? Está a ser feito progresso? O que pode ser feito para reduzir o volume de lixo e fomentar a reciclagem? Quais as políticas por trás das medidas? Será que determinados actores estão a sustentar reformas legislativas importantes? Haverá empreendedores como a peruana Albina Ruiz que desenvolveu sistemas comunitários sustentáveis de gestão de resíduos? Esse tipo de projetos é replicável? Com alguma pesquisa ficamos a saber que em 2009 o Banco de Desenvolvimento Nacional do Brasil criou uma linha de financiamento de 125 milhões de dólares para apoiar cooperativas de reciclagem e recolha de resíduos em cinco grandes cidades. No entanto, não consegui encontrar website algum com documentação sobre a quantia que foi despendida ou quais terão sido os efeitos.

O “solucionismo” inerente às hackathons e concursos de apps contribuiu em parte para a crescente onda de críticas contra o modelo. David Eaves escreveu uma reflexão sobre um debate que aconteceu há umas semanas atrás na WeGov na qual indica uma outra análise aprofundada por Alex Howard quando surgiu uma discussão semelhante há um ano atrás. Antti Poilkola compilou uma lista aberta de concursos de apps (a maioria dos quais europeus) e lançou um inquérito e uma mailing list para discutir como é que o modelo pode ser melhorado.

Uma ideia que parece estar a ganhar adeptos é gastar menos tempo a desenvolver novas aplicações que parecem nunca ganhar escala, e mais tempo a criar comunidade em volta de determinados datasets. Um exemplo desse tipo de datasets, segundo David Eaves, é o Inventário de Emissões Tóxicas da Agência de Protecção Ambiental dos Estados Unidos, que monitoriza a poluição causada pelos empreendimentos industriais em todo o país. Um amigo meu do Projecto de Integridade Ambiental usa estes dados para trabalhar com a indústria e ajudá-la a investir em novas tecnologias que permitam reduzir as suas emissões (sem falar em poupar dinheiro a longo prazo). E quando a indústria se recusa a fazê-lo, ele faz pressão com a APA para que haja uma penalização.

Fiquei impressionado com uma equipa de programadores peruanos que desenvolveu um sensor ambiental baseado em Arduino que consegue monitorizar a radiação UV, humidade, temperatura e material particulado. Mas será que os dados prevalecerão em tribunal quando ativistas ambientais processarem contaminadores da indústria? E caso não, então para quê que se coletam dados afinal?

Juntar vários actores - incluindo dos setores público e privado, ativistas e tecnólogos  - de forma a garantir que existe um propósito por trás dos dados é o modelo adotado pelo “datapalooza” que o CTO da Casa Branca, Todd Park, tem andado a pregar nos últimos anos. A premissa base é que não há uma app ou um gadget que consiga resolver problemas sociais complexos, mas sim que é útil juntar vários tipos de pessoas para contemplarem as histórias e questões sociais que se escondem por trás de extensos datasets.

Atingir escala

O que mais se destaca na análise das 22 apps finalistas do Desarrollando America Latina é a quantidade de tempo e energia que as equipas dedicam ao seu desenvolvimento. Não estavam a fazer este trabalho complexo por dinheiro, tudo foi feito com espírito cívico e de contribuição para a própria comunidade. É verdadeiramente impressionante ver o que estas equipas foram capazes de fazer em tão pouco tempo. O meu eu optimista tem a esperança que pelo menos duas ou três delas tenham um tempo de vida maior do que um ano, mas o meu eu realista sabe que isso é pouco provável. Já fui júri de mais de uma dúzia de concursos destes e não consigo lembrar-me de uma única app vencedora que ainda use hoje.

De facto, como Tom Steinberg recordou num apelo recente a tecnólogos partidários para se juntarem ao movimento não-partidário de tecnologia cívica, provavelmente ainda não existem apps cívicas que já tenham atingido escala. Não há dia que passe sem que eu use o Instapaper, a Dropbox, o Foursquare, o Twitter, o Things, o Simplenote, o Goodreader e o Spotify. E pelo menos uma vez por mês uso o Tripit, o Instagram, o Trip Advisor, o Airbnb, o Nike+ e o Evernote. Mas o que é frustrante é que não me lembro de uma única app cívica que use nem semanal nem sequer mensalmente  para estar em contacto mais próximo com o meu governo.

Tentar explicar porque é que o sector das apps cívicas ainda tem de ganhar escala, será tema de um próximo post, mas posso garantir que que não é por falta de hackathons nem de concursos destes. Não faltam protótipos, mas são poucos os investidores dispostos a apoiarem a parte mais difícil do seu desenvolvimento, assim como são poucos os projectos que fizeram uma prospeção de mercado a sério sobre as necessidades dos seus utilizadores.

Sendo o meu trabalho dar apoio à escalabilidade de apps e plataformas como estas, no futuro espero ver mais programas de aceleração, como o Code for America Accelerator, que ajudam apps em fase inicial a crescerem rapidamente, e mais eventos que permitam criar comunidades de grupos diversos focados em datasets semelhantes.»

David Sasaki trabalha com a Omidyar Network na Cidade do México em projetos de Oepn Government para a América Latina. Sigam-no no Twitter: \@oso

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